"A Metamorfose" - Franz Kafka

Quando Gregor Samsa despertou uma manhã na sua cama de sonhos inquietos, viu-se metamorfoseado num monstruoso inseto. »

Tendo acordado dentro do corpo de um grande escaravelho, Gregor leva algum tempo a assimilar o que aconteceu e as consequências que a transformação acarretará para ele e para os que o rodeiam - pois como poderá viver a sua família, sabendo que um escaravelho gigante ocupa o quarto ao lado?
Com o passar do tempo, Gregor acostuma-se à sua nova forma e às alterações que ela implica: a repulsa pela comida fresca, o incómodo da luz ou a capacidade de trepar pelas paredes e pelo teto.
Por outro lado, a sua relação com a sua família degrada-se drasticamente. De facto, só Grete, a sua irmã, se dispõe a alimentá-lo e a limpar-lhe o quarto, com um zelo cada vez menor. O pai, rude e insensível, chega a atacá-lo com maçãs, e a mãe mal aguenta ser confrontada com o seu novo aspeto.
Através do retrato grotesco de uma vítima de um total isolamento social causado pela sua aparência, A Metamorfose ataca o caráter superficial e materialista da sociedade do início do século XX, que não difere muito da dos nossos dias.
"Tocante" é o adjetivo que me parece mais apropriado para caracterizar esta narrativa. Apesar da sua transformação grotesca e do desprezo a que é votado por todos, Gregor conserva a sua índole humana por muito tempo, preocupando-se com o bem-estar da família, com a felicidade da irmã e com a magnitude do incómodo que ele provoca na casa. Ao transformar a personagem principal num inseto, Kafka realça o contraste entre a sua pureza e o caráter medíocre e materialista dos que o rodeiam, os verdadeiros parasitas.
A edição que li (Relógio D'Água, 2005) inclui um prefácio de Vladimir Nabokov, cuja leitura me permitiu não só prestar atenção a certos pormenores (como o abrir e fechar das portas e a repetição do número três), como também ver mais além do que aquilo que parece uma história muito simples.
"Prestemos atenção ao estilo de Kafka. Na sua claridade, no seu tom preciso e formal, em agudo contraste com o assunto tenebroso do conto. Não há metáforas poéticas a adornar esta severa história a preto-e-branco. A nitidez do seu estilo sublinha a riqueza perversa da sua fantasia." (Vladimir Nabokov) Reconhecendo-se em Kafka uma forte influência de Flaubert, "que odiava a prosa bonita", não é de espantar que a sua própria escrita seja simples e despojada de artifícios, mas também rica em ironia e nuances de sentido.
Ler A Metamorfose é ter nas mãos um ícone da literatura existencialista do século XX, uma crítica à mediocridade e mesquinhez humanas que tira proveito do absurdo para fortalecer o seu impacto.

© 2020 Helena Rodrigues, Portugal
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