"A ridícula ideia de não voltar a ver-te" – Rosa Montero

Quem foi Manya Sklodowska? A maior parte de nós não associaria este nome à célebre mulher que foi a primeira a receber um Prémio Nobel, a primeira a licenciar-se em Ciências na Sorbonne, a primeira a doutorar-se em Ciências em França, a primeira a ter uma cátedra, ... a responsável, juntamente com o seu marido, pela descoberta do polónio e do rádio e pelo desenvolvimento dos estudos sobre a radioatividade.

Manya Sklodowska, que adotou, depois de casar, o nome Marie Curie, ultrapassou, na infância, a morte da mãe, quebrou os preconceitos sociais, dedicou-se ao trabalho que a apaixonava com todas as suas forças e tornou-se um ícone, não só na História da Ciência, como também para as mulheres que se deparam com um caminho pejado de obstáculos até ao seu objetivo.

Este livro dá-nos a descobrir a vida fascinante da cientista polaca enquanto mulher robusta, persistente e austera, e põe-nos em contacto com o seu lado mais sensível e humano, uma vez que se baseia num documento muito especial: o diário de Curie durante o primeiro ano após a morte de Pierre Curie, o seu marido. "Mas este não é um livro sobre a morte" e, como tal, Rosa Montero não se limita a realçar as emoções da cientista após a perda do seu cônjuge e a estabelecer um paralelo com a sua própria experiência de luto. A ridícula ideia de não voltar a ver-te engloba, também, reflexões sobre temas variados, como a evolução do papel da mulher na sociedade, a intimidade de um casal e a ambição, o que o enriquece infinitamente.

A experiência de leitura deste livro pode ser sintetizada pela célebre expressão "Primeiro estranha-se, depois entranha-se". Recebi-o com uma certa estranheza, por não se tratar de um romance "comum", mas sim de uma mistura peculiar de biografia, autobiografia e depósito de reflexões. Contudo, à medida que avançava na leitura, este novo registo cativava-me cada vez mais.

Aquilo que me pareceu mais bizarro neste livro foi a utilização de hashtags por parte da autora, para sinalizar temas ou conceitos fulcrais das suas reflexões. Esta peculiaridade, que, inicialmente, me pareceu um pouco descabida, revelou-se uma estratégia inteligente para permitir aos leitores localizar as reflexões com base num índice de hashtags, no fim do romance.

A ridícula ideia de não voltar a ver-te conjuga a brutalidade das emoções que transparecem no diário de Marie Curie, uma visão diferente em relação à morte e ao luto ("na nossa sociedade a morte é vista como uma anomalia e o luto, como uma patologia"), um discurso feminista e uma forte intertextualidade, com referências que vão desde Fernando Pessoa a Georges Braque.


Quando nos libertamos da ilusão da nossa própria importância, tudo mete menos medo. »


Afinal, os vivos não passavam de projetos de cadáveres. »


Para viver temos de narrar-nos; somos um produto da nossa imaginação »

© 2020 Helena Rodrigues, Portugal
Desenvolvido por Webnode
Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora