"Dentro do Segredo – Uma viagem à Coreia do Norte" - José Luís Peixoto
![](https://ddfc030dcf.cbaul-cdnwnd.com/122d928a3301a8d043e193c4ffca5702/200000102-7ed8e7ed91/dentro.png?ph=ddfc030dcf)
À boleia das palavras de José Luís Peixoto, embarcamos numa inesquecível viagem de quinze dias às entranhas da Coreia do Norte, "o país mais isolado do mundo". Para além de nos levar a passear ao seu lado pelas ruas de Pyongyang, o autor põe-nos em contacto com a História e com a mentalidade dos habitantes da península, radicalmente distinta da dos ocidentais. Penetramos, assim, num país onde não são permitidos telemóveis e quaisquer aparelhos de navegação e GPS, onde ainda paira a influência de um Líder constitucionalmente imortal e onde a vasta paisagem agrícola parece pertencer à Idade Média.
Aquilo que já se previa que fosse uma viagem fora do normal acaba por se revelar, em acréscimo, um exercício de discernimento, à medida que nos apercebemos de que a simulação e a mentira são os principais meios de expressão num país avesso ao mundo.
Num mundo imperfeito, não há ninguém que esteja sempre certo. »
Estava a percorrer pela enésima vez as lombadas da estante, quando o meu olhar pousou num nome com que já se tinha cruzado, mas a que nunca tinha prestado muita atenção: José Luís Peixoto. O acaso é uma coisa maravilhosa. Atraída pela sinopse, mergulhei no Dentro do Segredo assim que tive oportunidade - foi amor à primeira página.
O regime norte-coreano não era um tema que me interessasse particularmente antes desta leitura. Ainda assim, fiquei surpreendida ao constatar quão pouco sabia acerca da história da Coreia do Norte, da repressão vigente e do isolamento ideológico a que a população é sujeita. As crenças e comportamentos de um povo inserido num sistema baseado na ideia de raça, na xenofobia e no sentimento patriótico ultrapassam de tal maneira as noções de bom senso, espírito crítico e democracia ocidentais que dei por mim a esquecer-me de que o que estava a ler não era uma obra de ficção. O caráter hiperbólico e megalómano do regime norte-coreano chega a ser relatado com um certo fascínio que o autor se apressa a desmistificar, afirmando por três vezes: "Sou contra todos os regimes totalitários e ditaduras".
Sem grandes artifícios, num registo muito terra-a-terra, José Luís Peixoto deposita, preto no branco, os pensamentos, emoções e sensações que experienciou ao longo da sua viagem. A ironia de que dota algumas frases e a autenticidade com que expressa as suas impressões mais "humanas" fizeram-me sorrir muitas vezes. Como leitora, é-me difícil percecionar os escritores como pessoas de carne e osso, que também têm indisposições, gostam de rock ou sofrem com as consequências de uma má noite de sono.
O autor relata a sua viagem como se estivesse a contá-la a um amigo, enche a obra de empatia e de um calor humano que nos aconchegam.
"Estar lá fora cá dentro" nunca me pareceu tão real. Uma leitura imperdível.
Se estás a ler isto, é porque estás vivo. »