Estava deitado com ela na penumbra e aquilo era tudo.
Estava deitado com ela na penumbra e aquilo era tudo.
A cabeça dela descansava no seu peito despido e ele acariciava-lhe os cabelos sedosos, loiros como a luz do dia, essa que demorava a chegar, a cortar o manto da noite fria, era inverno, nevava, e a rua soterrada sob um manto de brancura, num silêncio ensurdecedor, tinha uma beleza repelente, arrepiante, um calafrio atravessou-lhe a espinha, mas não sentia frio, tinha sido o toque nebuloso de Carol a percorrer-lhe o braço, o longo dedo morno acariciando as veias azul-marinho que condiziam com a cor dos seus olhos, os olhos que a intimidavam, via-o na maneira como ela evitava fitá-los, englobava com o olhar o mundo inteiro, mas não os seus olhos misteriosos de um verde e azul fundidos, como o corpo dela sobre o seu, cada tremor, um sismo, sensações duplas ao quadrado, o acender de uma luz no corredor sobressaltou os corações sincronizados, uma lâmina de brilho ténue atravessou o leito desfeito e esculpiu os contornos dos seios de Carol junto ao seu peito, da sua cintura marcada e dos seus braços que se fletiam e a erguiam, Carol em contraluz, Carol num halo divino e o seu rosto penumbroso cada vez mais perto, os seus lábios afrodisíacos cada vez mais perto e deixou de haver luz, tudo era noite e paz e o vazio era infinito, não havia caminhos nem sinais, só estrelas e calor, tanto calor de dentro para fora, e Carol guiava-o pela mão como se já tivesse percorrido todo o céu milhares de vezes, visto o mundo todo milhares de vezes, ela era uma força da Natureza e o seu corpo o cosmos inteiro, tudo tão novo, tudo tão belo, um jardim do Éden, uma saída de emergência, uma luz que piscava, acendia, apagava, acendia, apagava, violenta, ofuscante, já não era Carol que brilhava mas o ecrã na cabeceira, um vibrar urgente, um piscar nervoso, ele não se importava e ela tampouco, porque era muito melhor prolongar o toque pela face lisa e misturar os hálitos tépidos nas trevas da madrugada, já o sol começava a raiar e somavam-se os ciclos da eternidade, a noite seguia-se o dia e a tempestade a bonança e Carol permanecia parcialmente envolta nos lençóis cor de pérola que realçavam a alvura da sua pele leitosa, os seus cabelos ondeando sobre o colchão em arabescos acetinados e os seus dedos precisos brincando nas trevas com uma pulseira que ele lhe tinha oferecido, uma pulseira com sete luas, sete meses antes, pareciam antes sete anos, sete décadas, afinal eles eram velhos e conheciam as linhas da vida como a palma da mão, porque toda a vida eram eles e os seus Fados enrodilhados como a roupa no chão mergulhado em sombras, a Morte esperando irrelevante em qualquer esquina, eles eram eternos e nada mais importava.
Estava deitado com ela na penumbra e aquilo era tudo.