"Go Set A Watchman" - Harper Lee
Vários anos depois do final de To
Kill A Mockingbird, Jean Louise é-nos apresentada como uma jovem adulta,
residente em Nova Iorque, que regressa de tempos a tempos a Maycomb, a sua
terra natal. É um destes regressos que constitui o enredo de Go Set A
Watchman. Muito mudou desde a última vez que soubemos notícias da família
Finch: Jem, o irmão de Jean Louise, morreu, vítima de um ataque cardíaco;
Atticus envelheceu e vive agora com dores nas articulações, acompanhado pela
sua irmã Alexandra; Hank, após anos de relacionamento amoroso com Jean Louise,
tenta repetidamente levá-la a aceitar o seu pedido de casamento.
Dois grandes dilemas aguardam Jean Louise nesta estadia em Maycomb. Por um lado, ela sabe que a sua relação com Hank se baseia num amor unilateral a que não consegue corresponder, mas não encontra forma de lho dizer. Por outro, depois de assistir a um conselho municipal onde abundam discursos racistas aos quais Atticus não se opõe, Jean Louise encontra a confusão e o desamparo da sua criança interior, criada numa conceção irrealista do seu próprio pai. Assim, esta é a história de Jeane Louise na sua jornada de descoberta de si mesma e dos que a rodeiam, agora através de um olhar adulto e ciente do mundo vasto que existe para lá dos limites de Maycomb.
Mr. Stone set a watchman in church yesterday. He should have provided me with one. I need a watchman to lead me around and declare what he seeth every hour on the hour. I need a watchman to tell me this is what a man says but this is what he means, to draw a line down the middle and say here is this justice and there is that justice and make me understand the difference. »
Numa tentativa de surpreender os leitores com uma modelação do caráter aparentemente reto e previsível de Atticus Finch, Harper Lee cai numa narrativa algo forçada acerca das nuances dos dilemas morais enfrentados por aqueles que crescem sob a influência de uma visão do mundo de que não se conseguem libertar. Neste mea culpa pela narrativa do salvador branco que alicerça To Kill A Mockingbird, Harper Lee cai, em Go Set A Watchman, no extremo oposto: a vilanização algo forçada de Atticus através do olhar desapontado de Jean Louise, aqui a cicerone da frustração branca dos estados do Norte face ao conservadorismo sulista.
Muito pouco acontece, de facto, nesta narrativa que tenta "ganhar pontos" ao pôr-se do lado das "causas certas": o fim do racismo, a emancipação da mulher e a resolução de conflitos geracionais. Estas questões não deixam de impulsionar reflexões interessantes, e o desfecho do romance em todas estas dimensões não me desagradou, mas é-me difícil ver Go Set A Watchman como uma continuação natural de To Kill A Mockingbird e como uma narrativa com mais polpa do que a abordagem desses temas, sem um bom enredo que a suporte.
É um conselho comum para aspirantes a escritores que escrevam uma história que sintam que precisa de ser contada. Na minha opinião, esta história não é relevante o suficiente para ser contada, resultando na sensação de que se trata de um epílogo longo e forçadamente provocador do clássico que o precede (e em relação ao qual guardo a memória de uma experiência de leitura agradável).