“La buena suerte” – Rosa Montero

A bordo do comboio que faz a ligação entre Madrid e Málaga, viaja um homem misterioso e taciturno, com os olhos presos ao ecrã do seu computador. Este homem é Pablo Hernando Berrocal, um célebre arquiteto que tem uma conferência agendada na cidade andaluza. Contudo, o conferencista não chega a cumprir o seu compromisso. Assim que chega ao seu destino, Pablo apressa-se a pedir informações sobre os transportes que o poderiam levar até à penúltima paragem do comboio em que viajara: a minúscula e decrépita cidade de Pozonegro.

Do dia para a noite e sem razão aparente, Pablo Hernando compra e instala-se por um tempo indeterminado num apartamento horrível de um prédio de Pozonegro. É neste prédio que o arquiteto conhece Raluca, uma mulher de origem romena que pintava quadros de cavalos e fora outrora dada como louca. Alegre e solícita, Raluca rapidamente passa a ocupar um lugar muito importante na nova vida de Pablo: é ela quem o ajuda a fazer compras para a casa, quem lhe arranja um trabalho como repositor no supermercado Goliat e quem o ajuda a dissipar as sensações de estar sozinho, de não ser confiável e de não saber amar.

Assim, num refúgio recôndito da paisagem espanhola, Pablo depara-se com uma oportunidade para começar de novo, olhando em frente ao mesmo tempo que é obrigado a lidar com os fantasmas do seu passado e com as sombras destes no seu presente. No final de contas, todas os moradores de Pozonegro têm segredos: o arquiteto famoso, a pintora amalucada, a gótica bizarra, o octogenário com problemas respiratórios ou a vizinha do andar de cima, cuja filha Pablo consegue ouvir gritar...

La alegría es un hábito. »

Depois de me ter apaixonado pela escrita de Rosa Montero com A ridícula ideia de não voltar a ver-te, decidi continuar a explorar as suas obras, desta vez o seu livro mais recente. A sinopse prometia uma boa história, e o livro não desiludiu.

Num registo muito terra-a-terra, Montero insere-nos diretamente na realidade de uma povoação diminuta e esquecida e põe-nos frente a frente com a versão mais autêntica dos seus habitantes. Cada personagem é dotada de uma personalidade forte e única, e a autora consegue congregar, num espaço tão exíguo, uma variedade espantosa de tipos de caráter. Como consequência disso, este livro não é apenas uma história de autossuperação e regeneração, mas também uma análise da variedade de naturezas e intenções humanas.

Tal como tinha feito em A ridícula ideia de não voltar a ver-te, a autora elege a morte como um dos principais eixos da narrativa. O efeito da morte de Clara na esfera psicológica de Pablo, seu marido, é fiel e comovedoramente explorado, algo simultaneamente enriquecedor para a narrativa e uma provável estratégia catártica para a escritora, cujo próprio marido faleceu há alguns anos.

Este livro fascinou-me particularmente pela maneira como a ação se desenrola em dois sentidos: a sucessão presente de acontecimentos na nova vida de Pablo Hernando e o contínuo desvelar de segredos do passado das personagens. O passado, o presente e o futuro, o irreparável, a mudança e a esperança interligam-se neste romance como tendo saído diretamente da teia complexa do tempo, realistas, inalienáveis.

Assim, este romance é não só uma história sobre recomeços, como também uma história sobre o amor, a violência, o luto, a cobiça, a interajuda, a beleza da diferença e o eterno conflito entre o Bem e o Mal nos corações humanos.

la belleza ayuda a curar el dolor del mundo. »

Em conclusão, La buena suerte emergiu das águas turvas do período pandémico em que foi escrito para trazer aos seus leitores uma nova esperança: mesmo aos momentos mais difíceis podem seguir-se novos tempos de felicidade.

el único siempre que de verdad existe es hoy » 

© 2020 Helena Rodrigues, Portugal
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