"O Estrangeiro" - Albert Camus

Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: «Sua mãe falecida. Enterro amanhã. Sentidos pêsames.» Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem. »

É nestas circunstâncias que encontramos o Sr. Meursault, um homem de trinta anos particularmente avesso à propensão moralista e sentimental da sociedade. Depois de se ter servido de uma chávena de café com leite e fumado no velório da sua mãe e de não ter derramado uma única lágrima no seu funeral, Meursault retoma a sua vida perfeitamente banal. Entre o seu trabalho, o restaurante de Céleste, a praia onde se encontra com Marie e o andar do seu prédio, que partilha com um homem de ocupação duvidosa e um velho a quem só resta a companhia do cão, acompanhamos a personagem principal no seu quotidiano. Como um Estrangeiro entre os seus e no mundo, Meursault parece contemplar as futilidades humanas e os pequenos contratempos da vida à distância.

É numa ida à praia num tórrido domingo que, contra todas as expectativas, o pacato argelino comete um crime que mudará por completo o rumo do romance...

O Estrangeiro parece dividir opiniões: por um lado, há quem a considere um clássico imperdível da literatura, enquanto outros não conseguem compreender o porquê de este ser um romance tão aclamado pela crítica. A minha opinião encontra-se algures entre os extremos.

Esta história, cuja narração me fez lembrar um conto ou um texto diarístico, deve ser encarada como uma reflexão acerca da existência humana. Através da indiferença extremada e quase absurda do Sr. Meursault, captamos uma perspetiva diferente da vida, alheia a sobressaltos, à importância das decisões, a questões filosóficas e a figuras transcendentes. Meursault limita-se a viver consoante o que lhe calha na sina, sem se entregar à extravagância das emoções ou à indignação contra o destino. Em vez disso, permanece apático e ultrapassa as reviravoltas da vida através do hábito.

Se há uma sensação que predomina, implacável, nesta obra, essa sensação é o calor. Um calor asfixiante, insuportável, captada pelo autor com tanta autenticidade e intensidade que o leitor se sente tentado a tirar o casaco. Essa impressão prolonga-se pela capa do livro, de um cor de laranja forte que me faz pensar nele como um deserto tórrido comprimido em menos de uma centena de folhas de papel.

Camus transporta para as suas páginas a crueza e a frontalidade da vida real, sem rodeios nem artifícios. As frases curtas, elementares e, por vezes, irónicas, começaram por fascinar-me, pois não tinha memória de alguma vez ter lido um livro tão simples e imponente ao mesmo tempo. Apesar de não ter deixado de o considerar agradavelmente peculiar (ao ponto de, por vezes, me arrancar uma gargalhada), comecei, aos poucos, a aperceber-me de que este estilo era automaticamente assumido pelo meu cérebro como algo banal. Por este motivo, tinha alguma dificuldade em lembrar-me daquilo que tinha lido no dia anterior, ou, até, duas páginas atrás. De entre o relato, na primeira pessoa, de uma relação pacata e resignada com a vida, os momentos mais marcantes foram aqueles que se referem a abalos de maior ou menor profundidade na vida de Meursault ou a personagens dominadas pelas suas emoções - o que penso que será o oposto daquilo que é pretendido por este romance.

Em conclusão, este livro surpreendeu-me, tanto pela positiva como pela negativa. Contudo, a impressão que prevalece é a do contacto com um ser humano que transmite uma lição por entre a sua indiferença crónica: a vida não é assim tão dramática e as nossas escolhas não são, afinal, assim tão importantes - o tempo não para e todos temos um fim, pelo que mais vale gozarmos aquilo que temos, sem pensar muito nem sentir demasiado.

© 2020 Helena Rodrigues, Portugal
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