Vamos Comprar um Poeta
Afonso Cruz
E não abandonar os poetas nos parques. »
Chamemos distopia a esta livro cuja história tem lugar num universo onde o útil e o lucrativo constituem o único objeto de interesse da população. Tudo é mensurável e analisado em função de dados quantitativos - inclusivamente a tristeza, diretamente proporcional aos mililitros de lágrimas vertidos.
Aqui, a cultura é um bibelô. Os artistas, seres de estimação que se compram e se arrumam no vão da escada. A personagem principal de "Vamos Comprar um Poeta" adquire um poeta (o mais asseado dos artistas) e inicia-se numa jornada de desconstrução da objetividade que pautava a sua visão do mundo. Para grande indignação dos membros da família da narradora, o poeta vive absorto nos pensamentos que lhe são provocados pela pata de uma mesa ou pela linha de união entre o teto e a parede. Por vezes, chega mesmo a enunciá-los ou a escrevê-los numa parede - versos que são uma janela para o mar.
Qual é o lugar da arte na teia de eficiência ilusória do capitalismo? O que resta da realidade quando a despimos de metáforas? Onde reside o sentido da vida, removidas as "inutilidades"?
"[O]s monstros são muito parvos", mas mais parvo é viver sem poesia.